Médico infectologista, formado pela Universidade Estadual de Campinas, o atual Ministro da Saúde Alexandre Rocha Santos Padilha, atua na política desde 1989, quando se tornou membro da Coordenação Nacional das Campanhas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Presente na saúde pública há mais de 10 anos, Padilha responde ao Jornal do COSEMS/SP sobre as mudanças no SUS durante sua gestão e analisa seu primeiro ano à frente do Ministério.
JC - Em sua opinião, quais serão os impactos do Decreto nº 7.508/11 a curto, médio e longo prazo?
Alexandre Padilha: Os impactos estão sendo positivos, tendo em vista que o Decreto cumpre um papel importante no processo organizativo do SUS. Ele regulamenta aspectos referentes ao planejamento da saúde, a assistência e a articulação interfederativa, propiciando a qualificação da governança do SUS. Acreditamos que no médio e longo prazos, vamos melhor organizar o SUS com consequências positivas para a efetividade do direito à saúde, melhoria do acesso, transparência nas responsabilidades dos entes, dentre outros. Um SUS regionalizado, organizado em verdadeiras redes de atenção a saúde com a atenção primária como sua ordenadora e principal porta de entrada.
JC - Como o Senhor avalia o possível impacto da publicação da RENASE dentro de um contexto onde o mercado ainda exerce forte pressão sobre o poder público? Como fazer para que esta lista não represente a totalidade do que a indústria oferece à saúde?
Alexandre Padilha: A RENASES é um grande avanço na transparência da garantia do direito à saúde. A incorporação de tecnologias em saúde hoje está pautada pela Lei nº 12401, a qual cria uma comissão de incorporação tecnológica em saúde. Essa comissão terá representantes do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e do Conselho Federal de medicina (CFM), obrigatoriamente, além de ter que ser feita consulta pública. Ou seja, avaliamos que o risco de pressão do mercado ficará mais controlado.
JC - Atualmente, o SUS utiliza a RENAME, revisada a cada dois anos pela COMARE, como relação dos medicamentos essenciais, ou seja, aqueles que satisfazem às necessidades de saúde da maioria da população. O Decreto nº 7.508 propõe uma RENAME com a totalidade de medicamentos oferecidos pelo sistema. O Ministério entende que a RENAME, proposta pelo Decreto, vai substituir a relação dos medicamentos essenciais, ou manterá as duas relações com o mesmo nome?
Alexandre Padilha: O Decreto teve a intenção de explicitar para a sociedade quais os medicamentos que estão incorporados no SUS e que devem estar disponíveis nos serviços como um direito dos cidadãos. O dispositivo do Decreto, somado ao conteúdo da lei 12.401, traz novo marco legal e uma nova forma de ver e entender a incorporação de tecnologias ao SUS, acabando com a duplicidade de trabalhos entre a COMARE (Comissão Técnica e Multidiciplinarde Atualização da Relação Nacional de medicamentos Essenciais) e a CITEC (Comissão de Incorporação de Tecnologias do SUS).
Uma comissão trabalhava prioritariamente no âmbito da Atenção Básica e os medicamentos cobriam até a segunda linha de tratamento, enquanto a outra atuava majoritariamente nas análises de tecnologias de ponta, atendendo ao Componente Especializado da Assistência Farmacêutica, entre outros, orientados pelo uso dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas.
A partir de agora teremos apenas uma instância, a CONITEC - Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde, um órgão colegiado de caráter permanente, integrante da estrutura regimental do Ministério da Saúde (MS). O objetivo é assessorar o MS na incorporação, exclusão ou alteração pelo SUS de novas tecnologias em saúde, como novos medicamentos, produtos e procedimentos bem como na constituição ou alteração de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas. É ela que deverá realizar as análises das demandas por incorporação de tecnologias e propor a elaboração e a revisão da relação de medicamentos instituída pelo gestor federal do SUS (atribuições definidas na Lei 12.401).
Não se trata de substituir uma relação em detrimento da outra ou deixar que as duas convivam juntas. Trata-se de atender ao disposto na Lei e Decreto. A Relação Nacional de Medicamentos Essenciais pautada pelo Decreto trará na sua forma de organização os medicamentos agrupados pelos Componentes da Assistência Farmacêutica, e abrirá uma nova fronteira que diz respeito aos medicamentos de uso hospitalar e Insumos Farmacêuticos.
Esta forma de organização deve deixar claro a todos os envolvidos quais são os medicamentos e insumos que os cidadãos têm direito e sob os quais o SUS tem a responsabilidade de fazer a gestão e garantir o acesso. Vivemos um novo patamar de organização e aprimoramento do SUS, e é fundamental trabalharmos a RENAME neste contexto. É necessário ampliar o debate e esclarecer que não se trata de "perda" ou "ganho", mas sim, do que exige a nova legislação.
JC - Caso a autoridade municipal ou estadual não assine o COAP, quais medidas serão aplicadas? O Senhor acredita na possibilidade de assinatura de alguns contratos ainda este ano?
Alexandre Padilha: Esta discussão está sendo feita no âmbito da Comissão Intergestores Tripartite(CIT) e a previsão é que seja pactuada em dezembro, pois as normas e fluxos já foram pactuadas. Outro ponto importante é a visão de aprimoramento dos processos de pactuação vigentes, tendo como base os aspectos organizativos do contrato.
O contrato deverá ser assinado por todos, sob pena de as mudanças que se propõem no SUS não surtirem os efeitos desejados no tocante ao fortalecimento da governança regional, aos aspectos do planejamento integrado, a melhoria do acesso e a garantia da integralidade. Se o contrato fecha o ciclo das negociações/consensos entre os entes na região de saúde, esta ficará prejudicada se algum ente não quiser assiná-lo. Quanto às medidas referentes a quem não assinar o contrato, ainda serão discutidas no âmbito da CIT e MS.
JC - Qual a sua expectativa sobre a proposta que tramita na Câmara, da EC-29, e da possível cobrança de um novo tributo para o financiamento da saúde?
Alexandre Padilha: A proposta foi aprovada na Câmara dos Deputados e agora o debate está no Senado. Essa discussão tem sido importante porque contribui para aprimorarmos a gestão na saúde. A regulamentação do texto da Emenda Constitucional nº 29 é necessária porque possibilita maior controle sobre o que é investimento na área e quanto cada ente, seja União, Estados e Municípios, tem que investir. Isso contribui com outras ações que o MS tem feito de aprimoramento da gestão.
Os serviços que ampliamos esse ano tem a ver com o esforço que fazemos de aprimorar a gestão, de economizar onde pode ser economizado e combater o desperdício. Isso nos permitiu ampliar programas como Saúde Não Tem Preço, que triplicou a distribuição de medicamentos de graça para hipertensos e diabéticos. Acreditamos que os parlamentares consigam construir um acordo para um projeto que seja bom para a saúde, no sentido de ter uma regra permanente e estável em relação ao financiamento do setor. O importante é que a regra seja estável e permanente e prepare o Brasil para os próximos anos para que nós possamos enfrentar o grande desafio que é ampliar ainda mais o acesso. E o Congresso Nacional tem as formas e a sensibilidade para encontrar a melhor forma de termos mais recursos para a saúde.
JC - A Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo não realiza a contrapartida necessária para o financiamento das UPAs e SAMU, conforme previsto nas respectivas portarias ministeriais. Como o Senhor acredita que o Ministério poderia pressionar o Estado para uma definição?
Alexandre Padilha: As UPAs e o SAMU são programas importantes que contribuem para a melhoria do atendimento nas urgências e emergências no SUS. Estamos dialogando com a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES-SP) para ampliarmos a participação do estado nestes programas.
JC - Em sua opinião, quais seriam
as alternativas e estratégias para a melhoria da qualidade no atendimento e também para o financiamento do SUS?
Alexandre Padilha: Este ano, demos início a uma série de iniciativas para aprimorar os serviços ofertados pelo SUS. Entre eles, destacamos a auditoria para verificar o funcionamento de todos os aparelhos de mamografia . Como resultado, verificamos que existem atualmente 1.514 mamógrafos que realizam exames de mama pelo SUS, dos quais 85% estão em funcionamento.
O número de mamógrafos é quase duas vezes maior que o necessário para cobrir toda a população brasileira, conforme parâmetro do Instituto Nacional do Câncer (INCA), de um aparelho para cada 240 mil habitantes. Ainda assim, estamos trabalhando intensivamente para tornar o funcionamento e distribuição destes aparelhos mais eficientes.
Estamos reforçando os mecanismos de controle e gestão dos recursos da saúde. Já realizamos mais de 700 auditorias neste ano, que resultaram na proposição de ressarcimento de aproximadamente R$ 95 milhões ao Fundo Nacional de Saúde. Por meio de Decreto presidencial (nº 7.508, de 28 de junho de 2011) definimos que os Municípios só poderão receber verbas através de contas específicas para a saúde e terão de movimentar o dinheiro apenas por meios eletrônicos. O Decreto vetou ainda o saque em espécie, “na boca do caixa”, das transferências federais e, para efetuar pagamentos, as prefeituras têm agora de fazer depósito direto nas contas de seus fornecedores e prestadores de serviços.
Também adotamos neste ano novas ferramentas como a utilização de banco de preços internacionais, negociação direta com os fabricantes, centralização da compra de alguns produtos e atendimento a recomendações de órgãos de controle, como o Tribunal de Contas da União. Com estas novas medidas, o Ministério da Saúde conseguiu economizar R$ 603,5 milhões em processos de aquisição de medicamentos
e insumos para a saúde. Enfim, é aprimorando os serviços e monitorando os recursos que levaremos à população brasileira prevenção,
promoção e tratamento de qualidade.
JC - Em relação às denúncias expostas nas reportagens de TV (globo), quanto à falta de médicos no SUS, principalmente nas regiões Norte e Nordeste do País, quais seriam as principais estratégias para atrair mais profissionais ao sistema público de saúde?
Alexandre Padilha: É estratégia prioritária do Ministério da Saúde combater os desequilíbrios regionais na oferta de especialistas em medicina, além de detectar e suprir as novas necessidades do país, conforme mudam as doenças que atingem a população e o nível socioeconômico das pessoas. Nesse sentido, há diversos programas de capacitação profissional.
O Programa de Abatimento da dívida do FIES (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior), cujas medidas poderão beneficiar cerca de 9 mil recém-formados em medicina. A ação visa combater desequilíbrios regionais na oferta de especialistas e na Atenção Básica, contemplando 2.282 municípios com carência de profissionais. Os médicos que ali atuarem terão abatimento de até 100% da dívida do FIES caso fiquem um ano e 100 meses no local (o equivalente a pouco mais de nove anos). Além disso, 16áreas da medicina darão aos recém-formados que optarem por fazer residência médica em uma delas, extensão do prazo de carência do FIES por todo o período da residência.
As especialidades médicas são as seguintes: Anestesiologia; Cancerologia (cirúrgica, clínica e pediátrica); Cirurgia Geral; Clínica Médica; Cirurgia geral; Geriatria; Ginecologia e obstetrícia; Medicina de família e comunidade; Medicina Intensiva; Medicina Preventiva e Social; Neurocirurgia; Patologia; Pediatria; Psiquiatria; Radioterapia; Traumatologia e Ortopedia. O Pró-Residência, que oferta anualmente mil bolsas de residência em regiões onde há falta de especialistas. As regiões prioritárias são Centro-Oeste, Norte e Nordeste.
O Pró-Saúde oferece recursos para o aperfeiçoamento de 354 cursos de graduação em saúde, com a finalidade de formar profissionais de acordo com as necessidades do SUS. O programa é parceria com o Ministério da Educação e Organização Pan-Americana de Saúde (Opas). O Pet Saúde concede 11 mil bolsas por ano para docentes, estudantes e profissionais dos serviços de saúde em Atenção Básica, Saúde Mental e Vigilância em Saúde, em cursos orientados para as necessidades do SUS.
O Programa Nacional Telessaúde Brasil oferece teleassistência e teleducação aos profissionais que atendem na Atenção Primária no SUS. Por meio de ferramentas de tecnologias da informação, especialistas orientam a distância os profissionais de saúde que estão em contato direto com o paciente, de acordo com as situações do dia-a-dia.
Atualmente, o Ministério está elaborando um Plano Nacional de Qualidade na Educação Médica, que vai estabelecer metas de qualidade, quantidade e distribuição da oferta de vagas de graduação e residência médica de forma equânime pelo país. A meta é financiar 4 mil novas vagas de residência até 2014 e, até 2022, garantir uma vaga na residência para cada formando.
No momento, está sendo realizado um levantamento das especialidades médicas mais demandadas conforme a realidade atual da população, o que vai nortear a criação das residências, que serão distribuídas conforme a necessidade de cada região.
No próximo ano terá início o Programa de Valorização dos Profissionais na Atenção Básica, que consiste na aplicação de medidas de estímulo para que profissionais recém-formados (médicos, enfermeiros e cirurgiões dentistas, nesta fase inicial) optem por exercer sua profissão na Atenção Básica, por um ou dois anos, em localidades remotas ou em periferias de regiões metropolitanas necessitadas de provimento de atenção à saúde, recebendo remuneração profissional, e moradia quando necessário. Aos profissionais que aderirem ao programa será concedido pontuação adicional nas provas de residência.
JC - Como o Senhor avalia as universidades estaduais paulistas, que se posicionaram contra a Portaria Interministerial nº 2.087, a qual bonifica médicos recém-formados, que atuarem na Atenção Básica, nas provas de residência?
Alexandre Padilha: As universidades têm direito de autonomia e opinião que devem ser valorizados e preservados. Mas o Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica é uma proposta inovadora e deve receber contribuição de todos os atores: as universidades, os gestores e a população. A exemplo do que ocorre em vários países, é necessário o estímulo à interiorização.
O MS, em parceria com o Ministério da Educação, apoiados em pesquisa realizada com formandos de todo o País, optou que esse incentivo pudesse ser, não só pelo bônus para os concursos de residência, mas também por supervisão à distância e semipresencial, contratos adequados com os gestores municipais, apoio pelo telessaúde e conteúdos de educação permanente pela UNASUS. Para esses incentivos à parceria com todas as universidades, inclusive as paulistas, é fundamental.
Entendemos que o programa é didático uma vez que propicia o compromisso social, reativa os princípios altruístas, muito presentes nos profissionais da saúde, possibilita a real compreensão do Estado brasileiro e incentiva os novos profissionais a valorizarem seu compromisso com a saúde do país.
JC - Qual sua avaliação deste primeiro ano à frente do Ministério
da Saúde?
Alexandre Padilha: Após quase um ano à frente da pasta da Saúde, demos passos significativos para atingirmos a nossa grande obsessão: garantir acesso e atendimento de qualidade aos usuários do SUS. Com certeza, mesmo que ainda de forma modesta, as pessoas já começam a sentir melhoras nos serviços públicos de saúde. Exemplo disso, são os 11medicamentos para hipertensão e diabetes distribuídos gratuitamente por meio do programa Saúde Não tem Preço. Com isso, ampliamos em 239% o acesso ao tratamento dessas doenças e já temos mais de 20 mil farmácias credenciadas em todo o País.
Na Rede de Atenção à Mulher implantamos o Rede Cegonha e o programa de Combate E Prevenção ao Câncer de Mama e Colo de Útero. Por meio do rede cegonha a gestante terá ampliação de exames pré- natal além de boas práticas de atenção ao parto. Já no programa de prevenção de câncer de colo de útero e mama , só neste semestre, foram realizados mais de 5,6 milhões de exames de citologia, conhecido exame de prevenção contra esses tipos de câncer.
Ainda com relação ao acesso e qualidade, lançamos em julho último PMAQ-AB (Programa de melhoria do Acesso e Qualidade da Atenção Básica), com a adesão de de 440 Municípios de 17.669 equipes da Atenção Básica.
Dando prosseguimento ao atendimento de qualidade, lançamos agora em novembro dois importantes programas que fazem parte da rede Saúde Toda Hora: O SOS Emergência e o Melhor em Casa, em solenidade com a presença da presidente Dilma Rousseff.
Em parceria com Estados e Municípios, o SOS Emergência implementará, inicialmente, ações em 11 hospitais de grande porte, visando a melhoria da gestão, qualificar e ampliar o acesso dos pacientes, além de reduzir o tempo de espera e garantir atendimento ágil e humanizado.
Já o Melhor em Casa ampliará o atendimento domiciliar e, com isso, ajudará a reduzir a demanda por internação nos hospitais. Outro grande desafio da nossa gestão tem sido o combate ao desperdício. Com isso, foi possível atingir uma economia de R$ 603,5 milhões na aquisição de medicamentos e insumos, com a compra centralizada no MS. Em parceria com a CGU implantamos o Portal Transparência que contribuirá para o aperfeiçoamento dos mecanismos de controle sobre os repasses federais.