quarta-feira, 10 de junho de 2009

Editorial

Em entrevista à “Época” o Presidente Lula defende: “O Estado não deve ser gestor. Deve ser indutor e regulador”.
Isto significa entregar à iniciativa privada a gestão e execução de dada atividade, que, por ser estratégica, deve ser induzida (leia-se financiada, via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, isenções de impostos e outros meios) e regulada por uma agência (Agência Nacional de Telecomunicações - Anatel, Agência Nacional de Energia Elétrica - Aneel, Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustível - ANP, etc).
É bom que saibamos que na Saúde isto já acontece em grande medida.
Embora o Setor Saúde esteja definido constitucionalmente como dever do Estado, também é livre à iniciativa privada, não obstante deva ser regulada pelo público, atuando como complementar deste.
Entretanto, o que assistimos é um crescimento cada vez maior da assistência privada, tornando a Saúde um produto de consumo, a ser buscada no mercado por aqueles que podem pagar. Temos hoje, no Brasil, dois subsistemas: um público, com a participação do privado de forma complementar, e, outro, de mercado. Esta dualidade, ímpar no mundo, fruto do consenso possível entre a pressão popular e as forças conservadoras durante a Constituinte, se verifica via fontes de financiamento: os privados (das famílias, portanto) já significam mais de 60% dos gastos do setor (em 1975 eram 33%). Em outros países do mundo, com sistemas universais, onde a iniciativa privada é de fato apenas suplementar, os gastos públicos é que ultrapassam a barreira dos 70%.
Mas, o lado perverso da medalha: estes gastos privados, em grande proporção, se dão por transferências indiretas de dinheiro público para beneficiar as parcelas mais privilegiadas da população. Em São Paulo, isto se dá pelas transferências das responsabilidades do Estado da execução de atividades de Saúde para instituições privadas “sem fins lucrativos”. A legislação, por sua vez, permite transferências indiretas de recursos para a iniciativa privada de várias maneiras: leis prevêem a possibilidade de assistência à Saúde do servidor público, mediante contrato com a iniciativa privada ou por ressarcimento do valor parcial dos gastos com planos privados de assistência; a lei 9250 de 2005 torna integral a dedução de despesas de Saúde no Imposto de Renda; outras permitem a renúncia de arrecadação fiscal e isenção previdenciária (muitos milhões de reais!!!) para os hospitais privados de ponta para receberem o título de “filantrópicos”; por outro lado, a Lei 9.656/98 , que prevê o ressarcimento ao SUS por parte das operadoras privadas, quando da utilização por seus clientes dos serviços públicos, até hoje não produziu resultados por falta de regulamentação adequada.
Deveríamos refletir se isso é bom para a Saúde do brasileiro.
Para Lígia Bahia, esse processo em curso permite um “consenso vazio em torno do SUS” e a consequência é “um SUS com dimensões menores e, sobretudo, com pretensões de propiciar cuidados e atenção mais modestos do que aqueles vigentes nos países que erigiram sistemas universais de Saúde”.
Para Carlos Ocké-Reis, funcionário do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da própria Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), desatar este nó significa ampliar o financiamento do SUS (não obstante a crise mundial) e ampliar instrumentos para aumentar a sua eficiência na gestão, ao mesmo tempo em que a ANS faça a regulação do sistema de Saúde em outros termos: defesa do consumidor, da concorrência regulada, da qualidade da atenção médica prestada, e que não se contribua para maiores transferências, ainda que indiretas, de recursos públicos para a iniciativa privada. Quem sabe assim, com “a reforma pública das instituições do mercado”, “destinando um papel tão-somente - e de fato - suplementar aos planos privados de Saúde” poderia indicar um caminho alternativo para o fortalecimento do bloco histórico em defesa do SUS.
Também o Conselho Nacional de Saúde se mostra contrário a esse processo, afirmando (agosto de 2007) que o sistema público, “seja estatal e fortaleça o papel do Estado na prestação de serviços de Saúde, com financiamento exclusivamente público; (que) enfrente os dilemas das relações público-privadas que incidem no financiamento, nas relações de trabalho, na organização, na gestão e na prestação de serviços de Saúde”.
São questões que a Diretoria do COSEMS/SP quer socializar para colocar na agenda da sociedade civil, para além dos nossos “muros”.

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