Número de beneficiários vinculados a operadoras de planos privados mal avaliadas é um indicador das mazelas do setor
A mais recente avaliação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) sobre as empresas de planos de saúde mostrou que 23% dos beneficiários estão vinculados a operadoras cujo desempenho foi considerado insatisfatório. Trata-se de um contingente considerável de usuários -aproximadamente 9 milhões de pessoas- que pagam por um serviço ruim.É verdade que houve avanços significativos no mercado de seguros e planos privados de assistência à saúde desde que foi criada a ANS, em 2000, e se começou a implementar a lei que regulamentou o setor.De fato, os planos passaram a ser obrigados a fornecer cobertura praticamente integral, sendo proibidas exclusões de doenças específicas. As carências impostas aos usuários foram limitadas, e a recusa de usuários, bem como a rescisão unilateral de contratos, proibidas.O setor vem apresentando crescimento considerável de beneficiários, cerca de 5% ao ano desde 2004, segundo dados da ANS, variação superior ao PIB e ao crescimento populacional.Tal desempenho, entretanto, não deve obscurecer o fato de que o segmento de planos privados de saúde ainda tem uma forte dependência da esfera pública, por vezes injustificável e pouco transparente.Pelo lado da demanda, o setor depende não só do incentivo fiscal representado pela possibilidade de desconto das despesas com saúde no Imposto de Renda, como também da compra de planos por entidades do próprio setor público para seus funcionários -prática comum nas três esferas de governo.Pelo lado da oferta, grande parte dos estabelecimentos que fornecem serviços de assistência aos planos de saúde são entidades sem fins lucrativos, que também são prestadores do Sistema Único de Saúde (SUS). Isso lhes permite isenção de uma série de tributos, além da contribuição patronal ao INSS.Essa atuação nos dois sistemas acaba por fornecer um fôlego financeiro para os prestadores, o que ajuda a explicar o tamanho e a taxa de expansão do setor.Além disso, em muitas ocasiões, detentores de planos de saúde acabam se utilizando dos serviços do SUS. Nesses casos, a legislação determina o retorno dos recursos que o sistema público gasta com atendimentos a segurados de planos privados. Apesar disso, o governo ainda não conseguiu operacionalizar de modo adequado o ressarcimento ao SUS.Relatório do Tribunal de Contas da União apontou que R$ 3,8 bilhões, referentes ao período entre 2001 e 2008 devidos pelas operadoras, deixaram de ser cobrados pela ANS.É preciso avançar na eliminação das interfaces perversas entres os sistemas público e privado de saúde. Se o gasto em saúde pública no Brasil não é dos maiores, quando comparado ao de outros países, o dispêndio de recursos do erário no sistema privado de saúde ainda é elevado.
Editorial publicado originalmente no Jornal Folha de São Paulo, em 17/08/2009.
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