Participação de unidades particulares nas internações feitas pelo sistema caiu de 68,8% para 55,5% entre 1995 e 2007
Pesquisador afirma que os hospitais privados estão trocando o SUS pelos planos de saúde por causa dos valores pagos pelo governo
Ricardo Westin
Da Reportagem Local
Os leitos na rede pública de saúde vêm minguando ano a ano. Pesquisas indicam que os hospitais privados estão reservando aos clientes dos planos de saúde os leitos que antes eram destinados aos doentes do Sistema Único de Saúde.Entre 2000 e 2009, apesar do crescimento da população, a quantidade de leitos do SUS -em hospitais públicos e em hospitais privados conveniados ao governo- caiu 26%, segundo o Ministério da Saúde.A participação dos hospitais privados nas internações feitas pelo SUS recuou de 68,8% para 55,5% entre 1995 e 2007, revelam dados do ministério."A situação dos leitos do SUS hoje é crítica e dramática", diz Ivan Coelho, pesquisador do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).Dos 190 milhões de brasileiros, pouco mais de 40 milhões têm plano de saúde. O restante só pode usar a rede pública.Em Pernambuco, quatro hospitais privados especializados em cirurgias ortopédicas deixaram de atender pelo SUS neste ano. Com 400 leitos a menos, os hospitais públicos do Estado ficaram abarrotados.Um cirurgião do Hospital Estadual da Restauração, em Recife, diz que há pacientes em macas nos corredores e que, pela falta de vagas, muitos são mandados para casa sem ser operados. "As pessoas estão ficando aleijadas", diz ele, que pediu para não ser identificado.O aposentado Claudemir José da Cruz, 65, quebrou a perna ao ser atropelado em Recife no início de setembro. Passou uma semana numa maca no corredor do Hospital da Restauração e foi mandado para casa sem ser operado. "Disseram que ele vai ter que esperar mais", conta o filho Claudemir.O ministério não vê a redução de leitos como algo negativo. Diz que ela se deve sobretudo à evolução da medicina: doenças que até pouco tempo atrás exigiam hospitalização agora são resolvidas nos ambulatórios.Especialistas afirmam que esse argumento é insuficiente para explicar uma queda tão dramática nos leitos públicos."Quem saiu do SUS não foi o hospital público. Foi o hospital privado, principalmente o lucrativo", explica o médico pesquisador da Ensp (Escola Nacional de Saúde Pública) José Mendes Ribeiro.Os hospitais privados lucrativos não são obrigados a atender pelo SUS. Eles recebem do governo federal por cada atendimento realizado.De acordo com o pesquisador da Ensp, os hospitais privados estão trocando o SUS pelos planos de saúde justamente por causa dos valores pagos pelo governo. O hospital que faz, por exemplo, uma extração de próstata recebe R$ 480 se o paciente é do SUS. Se o operado tem plano de saúde, a remuneração sobe para R$ 1.835.A Santa Casa de Porto Alegre, um hospital privado sem fins lucrativos, está pouco a pouco reduzindo sua dependência econômica do SUS. Em 1996, 61% das receitas vinham do sistema. Em 2008, 32%.Para o médico Gastão Wagner, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, a redução de leitos ajuda a mostrar "uma crise estrutural do SUS". "O SUS está subfinanciado e, dessa forma, não sobreviverá."O médico ressalva, porém, que não basta aumentar os valores da tabela de remuneração do SUS, porque assim os hospitais realizariam só as cirurgias mais caras. O ideal, diz ele, é que o modelo de pagamento por procedimento seja substituído por contratos de metas -para receber determinado valor, o hospital teria de realizar um leque de cirurgias fixado pelo governo.
Texto publicado originalmente no jornal Folha de São Paulo de 23/10/2009.
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