quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Obra foi revolução na saúde do País

Redução da mortalidade infantil e avanço no SUS têm a marca de Zilda

Adriana Carranca - O Estado de São Paulo

Zilda Arns Neumann mudou a história da desnutrição no Brasil. De casa em casa, de mãe em mãe, ela ensinou o País a alimentar suas crianças. "Com jeitinho, nós chegamos", dizia a quem lhe colocasse dificuldade. E com seu olhar sereno, voz baixa e sorriso estampado no rosto, a médica pediatra e sanitarista saiu, em março de 1983, batendo na porta dos 14,7 mil habitantes de Florestópolis, então cidade paranaense com maior índice de mortalidade infantil. Recrutou 20 mulheres. Com elas, treinou 76 líderes comunitárias, que formaram outras. E outras. Hoje, são 262 mil. Elas acompanham 1,9 milhão de crianças e gestantes em 4.063 municípios, onde a mortalidade infantil caiu de 127 para 11 óbitos por mil nascidos vivos - ou 91,3%, com uma política de baixo custo e grande alcance. A conquista do Brasil no combate à mortalidade infantil é a da Pastoral, hoje quase um braço do Ministério da Saúde, que transfere verba à organização. Em 2008, foram R$ 36 milhões."A queda da mortalidade infantil no País deve-se muito à ação da pastoral. Quando eu era ministro da Saúde, ela era nossa principal parceira", disse o governador José Serra. "Como indivíduo, ninguém fez tanto pelas crianças. Era uma mulher extraordinária, movida pela fé cristã e conhecedora do espírito de solidariedade." Depois de se espalhar pelos 27 Estados brasileiros, a Pastoral da Criança expandiu as fronteiras e chegou a 17 países. Em 2006, Zilda Arns foi indicada ao Nobel da Paz. "Com o apoio da Igreja Católica e sua penetração, a doutora Zilda criou uma rede de disseminação de informações e ações de saúde e um sistema único de monitoramento das crianças e famílias por voluntárias, o que mais tarde inspirou programas nacionais de agentes comunitários e o atual programa de saúde da família", disse o ex-ministro da Saúde Adib Jatene, que por duas vezes esteve com Zilda no Conselho Nacional de Saúde. O soro caseiro - medida de sal e açúcar, em água - disseminado pela Pastoral da Criança para combater a desidratação por diarreia, então a principal causa de morte entre crianças de até 1 ano, foi incorporado à lista de remédios do Ministério da Saúde. "Quando a reidratação oral foi adotada pela saúde pública no Brasil, as líderes comunitárias da pastoral foram fundamentais para levar a informação sobre o soro às regiões mais carentes porque era consenso, então, até entre pediatras que a criança com desidratação não deveria comer. Mas, não repor sais e água só agravava o quadro", disse José Luiz Telles, do Ministério da Saúde.
ALIMENTAR A ESPERANÇA
Levar informação aos locais mais remotos era um dos maiores méritos da rede formada pela pastoral. A última campanha liderada por Zilda Arns ensina as mães a colocarem os bebês para dormir de barriga para cima. Parece simples, mas, ao contrário da antiga crença popular de que era pior para a criança, a posição pode evitar a morte súbita, principal causa de óbitos de bebês de até um ano nos países desenvolvidos. A médica sanitarista percebeu rapidamente a mudança demográfica no País e criou, em 2004, a Pastoral do Idoso, usando a mesma rede já estruturada nas comunidades. Médicos que trabalharam com Zilda costumam dizer que, mais do que dar comida, a médica tinha a capacidade de "alimentar no outro a esperança" de que era possível mudar, e com atitudes muito simples. Grande parte das voluntárias da pastoral não têm sequer o diploma do primeiro grau mas, com Zilda, aprenderam a salvar vidas. "Criar essa rede capaz de multiplicar o alcance da política ensinando mulheres da comunidade a cuidar de suas próprias crianças e idosos foi algo genial", diz o diretor executivo da Care Internacional, no Brasil, Markus Brose. As voluntárias visitam cada família atendida, pelo menos, três vezes por mês, ao fim do qual se reúnem com a coordenação regional. Todos os dados são registrados em questionários simples e depois processados pela pastoral nacional, o que permitiu criar indicadores para o acompanhamento das crianças no longo prazo. "Zilda criou um sistema de monitoramento da política de fazer inveja a qualquer ONG."
REPERCUSSÃO
Luiz Inácio Lula da Silva Presidente
"Profundamente consternado com a tragédia que atingiu o Haiti, ao qual nos sentimos vinculados fraternalmente em razão da presença da força de paz liderada pelo Brasil, transmito meu pesar e total solidariedade ao povo haitiano e à família das vítimas brasileiras, em especial de Zilda Arns. Que Deus dê conforto a todos neste momento doloroso"
Luiz Paulo Barreto Ministro interino da Justiça
"O Brasil perde a brasileira que sintetiza a palavra solidariedade. Ela deixa a marca do resgate da dignidade em mais de 8 milhões de brasileiros"
Michel Temer (PMDB-SP) Presidente da Câmara
"Ela é um sinônimo de doação, em sua luta pelos carentes, no combate à mortalidadeinfantil e na busca pela melhoria da vida do povo"
José Sarney (PMDB-AP) Presidente do Senado
"O Brasil perdeu uma de suas mais expressivas figuras. Ela era um exemplo extraordinário de dedicação a crianças, pobres e causas sociais"
Aécio Neves (PSDB) Governador de Minas
"Os inúmeros exemplos que ela nos deixa - de solidariedade, responsabilidade compartilhada e amor pelo Brasil - ficarão para sempre"
Armando Monteiro Presidente da CNI
"Seu trabalho humanitário sempre dignificou o País"

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