quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Editorial - A Atenção Básica e o SUS que queremos

É inquestionável a importância do SUS capaz de garantir, a mais de 160 milhões brasileiros, ações de saúde como direito de cidadania. Os seus números são impressionantes: mais de 12 milhões de internações, mais de 1 bilhão de procedimentos na atenção básica, além da excelência de programas como da AIDS, de Imunização, transplantes e outros
É também inegável as suas fragilidades. Das pequenas às grandes cidades, é queixa comum do usuário a dificuldade de acesso e a sua desumanização. É evidente o fosso que separa o SUS real do SUS sonhado pelo Movimento Sanitário, às duras penas inscritas na Constituição.
São inúmeras as explicações, mas destacamos aqui a insuficiência da atenção primária, particularmente no Estado de São Paulo.
A opção pela estratégia do Saúde da Família como eixo estruturante da atenção primária é acertada. Através dele é possível garantir a integralidade da atenção sem apartar a prevenção e promoção à saúde da clínica individual, reabilitação e cura. É uma estratégia que pode dar conta de cuidar dos pacientes crônicos sem, contudo, deixar de acolher os usuários quando manifestam uma necessidade de saúde. Suas equipes têm grande potencial para se tornarem efetivamente a gestora do cuidado nas redes de saúde e coordenar o fluxo das pessoas nos vários territórios assistenciais.
Entretanto, a sua expansão, notadamente nos últimos 3 anos tem se dado lentamente (vide tabela abaixo). Em São Paulo a ampliação se deu basicamente às custas de cidades com menos de 100 mil habitantes. O crescimento nas cidades com mais de 200 mil habitantes foi quase nulo. Nos pequenos municípios por já terem atingido um alto índice de cobertura e nos grandes pelas imensas dificuldades estruturais do sistema. É de se notar que, principalmente em São Paulo, este crescimento não se deu com médicos de saúde da família, mas com médicos de várias especialidades ou recém-formados, o que reduz em muito a competência para lidar com a complexidade do adoecimento na atenção primária. Esta é uma das causas pelas quais continua alta a internação por doenças sensíveis à atenção básica, bem como a mortalidade materna.
Para que a atenção primária cumpra o seu potencial e o PSF consiga expandir mais rapidamente há que se enfrentar algumas questões conceituais e alguns desafios estruturais.
A Equipe mínima (que vai se firmando como equipe padrão) dá conta de toda a complexidade do processo saúde-adoecimento em cidades industriais e em sociedades violentas, com alto grau de desagregação familiar, onde além das doenças crônicas tradicionais, junta-se as provocadas pela exclusão social, pelo stress, péssimas condições sanitárias nas nossas periferias, pela alienação e péssimas condições de trabalho e ambiental?
É possível manter as diretrizes e princípios da atenção primária incorporadas pelo PSF (territorialização, trabalho em equipe multidisciplinar, atendimentos domiciliares, adscrição) flexibilizando a jornada do generalista – 2 de 20 horas ou composições como 1 generalista 20 h e um pediatra também em 20 h ? Isto realmente reduziria a efetividade da Equipe de Saúde da Família?
Qual seria uma proporção adequada entre equipe e população sob cuidado? É possível fazer promoção, prevenção, clínica ampliada e acolhimento da demanda espontânea com a atual relação de uma equipe para aproximadamente 3500 pessoas?
A territorialização, como forma de vinculação da clientela, ao impedir o direito de escolha do usuário e a rigidez com a qual se define a população a ser atendida, não pode provocar iniqüidades e exclusão de grupos vulneráveis?
É possível termos médicos de família em quantidade suficiente para ampliar a cobertura sem a regulação da residência médica, particularmente nas universidades federais e estaduais paulistas?
Como fazer para garantir educação permanente para melhorar a capacidade dos “super-especialistas” que se tornaram médicos de família fazer clínica ampliada? Estima-se que em S. Paulo tenha um contingente de mais de 3000 médicos nesta situação.
O que fazer com os pediatras, clínicos e ginecologistas que são responsáveis por mais de 70% da atenção básica no Estado?
Como fazer para expandir a estratégia de saúde da família sem precarizar os contratos de trabalho através de terceirizações, quando a maior parte dos municípios de São Paulo já se encontra próximos do limite da responsabilidade fiscal?
Qual a responsabilidades da Secretaria Estadual de Saúde e do Governo Federal na contratação de pessoas para a atenção primária? É possível carreiras estaduais e federais, sempre sob a gestão do município?
Como os municípios poderão ampliar a sua atenção primária sem que o governo federal e, particularmente, o Estadual aumentem a sua responsabilidade no financiamento dela?
Obviamente há outras questões que o espaço não comporta. Importa dizer, porém, que se não as enfrentarmos de imediato e sem tergiversações, amplia-se a tendência atual de privatização do Sistema de Saúde, com a classe média sendo atendida pelos planos e seguros-doenças e reservando o PSF para os pobres, tornando a atenção primária como sinônimo de primitiva, focalizada em alguns problemas priorizados pelos economistas de plantão.

Cobertura de PSF no Brasil, conforme o porte dos municípios – Fonte Ministério da Saúde:

Municípios com menos de 5000 hab -
Ano: 2006 - Cobertura: 87,6%
Ano: 2009 - Cobertura: 90%
Municípios com pop entre 200 e 500 mil hab -

Ano: 2006 Cobertura: 30,1%
Ano: 2009 - Cobertura: 30%
Municípios com mais de 500 mil hab -

Ano: 2006 - Cobertura: 27,4%
Ano: 2009 - Cobertura: 29,4%

Cobertura de PSF no Estado de São Paulo:
Ano:2006
Cobertura: 23,1%
Ano: 2008
Cobertura: 25,6%

Nenhum comentário: